domingo, 31 de maio de 2015

Eu sou como as outras

Se é pra se definir, mulher, com um homem no centro e às custas de colocar outras mulheres à margem, que seja feito o manifesto: nem puta, nem submissa, nem traidora, nem traída, nem coadjuvante, nem estrela principal, nem sua escrava, nem sua sinhá. Carregamos esses fardos em todas, pra destruí-los e um dia se livrar - Eu sou como as outras.


Manifesto eu sou como as outras

(1) “Você não é ‘como as outras’”: esta frase foi internalizada em nossa socialização como um elogio; uma necessidade afirmativa de se diferenciar de outras mulheres. Mas o que esta frase revela?;
(2) Primeiro, é importante pensar: quem são ‘as outras’? As outras são todas as outras mulheres, que aprendemos a não identificar, como diz Simone de Beauvoir, como “seres humanos”;
(3) Não ser como as outras seria a possibilidade de ser reconhecida como um ser humano. E não como essa “mulher não humana”, cujas substâncias constitutivas seriam: "dissimulação, loucura, promiscuidade, burrice";
(4) Para sustentar essa identidade negativa da mulher, que nos é apresentada desde a infância, muitas mulheres com trabalhos relevantes são apagadas da história da política, filosofia, arte. De modo que acabamos reservando a admiração para os homens, que nos são apresentados como “grandes realizadores”;
(5) Aprendemos que homens devem ser admirados e que devemos nos diferenciar das mulheres;
(6) Mas quais são os impactos da manutenção deste pensamento tão naturalizado? Inicialmente, o não reconhecimento das vivências comuns de opressão entre mulheres, o que fragmenta, enfraquece e silencia nossas vozes. Dificulta a construção de uma representação com a qual tenhamos orgulho de nos identificar. Mantém a humanidade das mulheres nas mãos de homens, que decidem quem é ou não “como as outras”. É um pilar da dominação de gênero;
(7) E se quebrássemos este ciclo? Admirando também as mulheres em nossas áreas de atuação profissional, em nossa família, em nossos círculos sociais, nos aproximando de outras mulheres e percebendo nossas vivências comuns e nos afirmando também pela igualdade: eu sou como as outras;
(8) O primeiro passo é recusar a identidade negativa e desumana da mulher, que nos é apresentada/imposta;
(9) O feminismo “de internet” ajuda neste construção de identidades positivas. Não olhamos mais para as capas de revistas, mas para os nossos selfies. Não lemos mais como “agradar seu homem”, mas como nos empoderar.

Não precisamos de ninguém para falar por nós: seja através de memes, de relatos de vivência de opressão ou de leituras acadêmicas feministas, estamos encontrando nossas próprias narrativas. E construindo a nossa representação em nós mesmas e nas outras mulheres.

Sou como Simone, Frida, Audre, Angela, Assata, Emma, Rosa, Brunna, Daniela, Marina, Lu. Sou como todas as outras.

domingo, 17 de maio de 2015

novaidade


essepê
esse ipê
esse morro
esse som de pernambuco
meu ouvido já caduco
minha boca ainda mole
ainda mal sussura no que acredita
ainda engole...

senhorita, moça
flor, amor,
qualquer palavra tosca
entra em rima
entra em riso
não sublima
pois não é preciso
porque é só de saber
e apenas já tocou
e pra manifestar vaza nova em tudo junto:
timbre, textura, odor-sabor...
coisa estranha e simples essa vida,
quanto tanto já passou! (e não foi nada)
quanto desse nada que vez em quando não passa!
pois cai no lago medroso do "se repete"
e nos faz querer fugir, como se fosse monstruoso isso
que na verdade é só ciclo (e nos inverte)
transmutantes, seguimos em espiral
que encantemos mesmo, tudo isso
nunca será igual
ao mesmo tempo sempre parecerá
o amor
tão banal
mas seja, ora, dê a língua!
que nem quando a criança birra
em se mostrar indecente, inteligente
sendo boba em encontrar novos utilitários
pra tudo que já foi catalogado
como existente.

e é assim
que inventamos novas brincadeiras pras cidades rivais
que usamos palavras parecidas pra descobrir
como desfazer nós, distância entre os locais
como chegar e ir
e cheirar e rir
cada vez mais lindo, mais cheio, mais último e primeiro...
cada vez, como nunca mais

sexta-feira, 8 de maio de 2015

Anjos Mulheres - VI

Por Maria Teresa Horta


As mulheres voam
como os anjos
Com as suas asas feitas
de cristal de rocha da memória

Disponiveis
para voar

soltas...

Primeiro
lentamente uma por uma

Depois,
iguais aos pássaros

fundas...

Nadando,
juntas

Secreta a rasar o
chão

a rasar a fenda
da lua

no menstruo
por entre a fenda das pernas

Às vezes é o aço
que se prende
na luz

A dobrarmos o espaço?

Bruxas
pomos asas em vassouras
de vento

E voamos

Como as asas
lhe cresciam nas coxas

diziam dela
que era um anjo do mar

Rondo alto,
postas em nudez de ombros
e pernas

perseguindo,

pelos espaços,
lunares
da menstruação

e corpo desavindo

Não somos violência
mas o voo

quando nadamos
de costas pelo vento

até à foz do tempo
no oceano denso
da nossa própria voz

Sabemos distinguir
a dormir
os anjos das rosas voadoras

pelo tacto?

Somos os anjos
do destino

com a alma
pelo avesso
do útero

Voamos a lua
menstruadas

Os homens gritam
- são as bruxas

As mulheres pensam
- são os anjos

As crianças dizem
- são as fadas

Fadas?

filigrama cintilante
de asas volteando
no fundo da vagina

Nadamos?

De costas,
no espaço deste século

Mudar o rumo
e as pernas mais ao
fundo

portas por trás
dobradas pelos rins

Abrindo o ar
com o corpo num só golpe

Soltas,
voando
até chegar ao fim

Dizem-nos
que nos limitemos ao espaço

Mas nós voamos
também
debaixo de água

Nós somos os anjos
deste tempo

Astronautas,
voando na memória
nas galáxias do vento...

Temos um pacto
com aquilo que
voa

- as aves
da poesia

- os anjos
do sexo

- o orgasmo
dos sonhos

Não há nada
que a nossa voz não abra

Nós somos as bruxas da palavra.