quinta-feira, 10 de março de 2016

"O caminho lento aumenta sua coragem secreta - e de repente ela se deixa cobrir pela primeira onda! O sal, o iodo, tudo líquido deixam-na por uns instantes cega, toda escorrendo - espantada de pé, fertilizada.
Agora que o corpo todo está molhado e dos cabelos escorre água, agora o frio se transforma em frígido. Avançando, ela abre as águas do mundo pelo meio. Já não precisa de coragem, agora já é antiga no ritual retomado que abandonara há milênios. Abaixa a cabeça dentro do brilho do mar, e retira uma cabeleira que sai escorrendo toda sobre os olhos salgados que ardem. Brinca com a mão na água, pausada, os cabelos ao sol quase imediatamente já estão se endurecendo de sal. Com a concha das mãos e com a altivez dos que nunca darão explicação nem a eles mesmos: com a concha das mãos cheias de água, bebe-a em goles grandes, bons para a saúde de um corpo.
E era isso que estava lhe faltando: o mar por dentro como o líquido espesso de um homem"
(Clarisse Lispector: Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres)

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